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domingo, 1 de abril de 2012

Cooperativa de Médicos de Família - Tentando sair do País das maravilhas

Este texto foi escrito após iniciado um debate na lista virtual da Sociedade Brasileira de Medicina de Familia e Comunidade (SBMFC) onde um colega propôs a criação de uma Cooperativa de Médicos de Família, onde cada paciente pagaria 100R$ por um plano familiar. Esta iniciativa se valeria das "áreas que o Poder público não cobre e nem vai cobrir", e serviria para "pressionar" as grandes operadoras de Saúde a olharem para o modelo da Atenção primária com mais carinho....

Ps. a brincadeira com o País das Maravilhas foi porque o autor diz que não podemos "viver no país das maravilhas e achar que as operadoras vão assistir estas pessoas".

Cooperativa de Médicos de Família - Tentando sair do País das maravilhas


"Há cento e trinta anos, depois de visitar o país das Maravilhas,
Alice entrou num espelho para descobrir o mundo ao avesso.
Se Alice renascesse em nossos dias, não precisaria atravessar
nenhum espelho: bastaria que chegasse à janela."
Eduardo Galeano
De Pernas pro Ar: A escola do mundo ao avesso (1999)

Pra começo de conversa - Olhar para a Foto ou assistir ao Filme?

Trabalhar no dia a dia dos serviços públicos de saúde no Brasil hoje tem sido uma experiência difícil para a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras espalhados pelos quatro cantos do País. Falta de estrutura, precarização dos vínculos trabalhistas, baixa remuneração, pouco acesso à medicamentos, baixa resolutividade, falta de leitos, carência de profissionais, redes de referência inexistentes ou insuficientes, profissionais desestimulados, etc. Uma verdadeira sopa da qual tomamos uma colher todos os dias. Esta é a foto de boa parte do SUS hoje. Na verdade uma das fotos. Mais na verdade ainda, esta é a foto que alguns setores da Sociedade teimam em totalizar como verdade. Estes mesmos trabalhadores sabem que são várias as Fotos que compõem o Álbum do SUS. E muitas delas são boas fotos, que não vou detalhar aqui pois o objetivo não é detalhar o que tem de bom e ruim no SUS.

Mas considerando esta, a Foto ruim, ela não passa de uma foto. Nela não se vê movimento, nem mesmo o piscar dos olhos.


Nesta foto do SUS de hoje, não se consegue enxergar porquê o SUS está do jeito que está. Nesta foto não aparecem os Deputados que votaram contra o SUS na constituinte de 88; nela não aparecem os Deputados que barraram os aumentos do financiamento para o SUS; nela não aparecem os corruptos que desviam as verbas da Saúde; nela não aparecem os Presidentes que utilizaram a DRU para tirar farinha do pouco pirão da Saúde; nela não aparecem os ataques que o SUS sofre cotidianamente e por todos os lados, com subfinanciamento, desfinanciamento, má gestão, corrupção, lobby das indústrias, etc.

Pra se ter uma real dimensão das coisas, é preciso assistir a um filme das Políticas Sociais no Brasil, sua origem, seus avanços, seus entraves... Uma foto, serve a apenas um propósito: o oportunismo.

Oportunismo

(oportuno + -ismo)

s. m.
1. Sistema de transigir com as circunstâncias, de agir conforme elas.
2. Tendência ou aptidão para aproveitar as oportunidades ou as circunstâncias, normalmente sem preocupações éticas.
(http://www.priberam.pt/dlpo/Default.aspx)

Na proposta que foi colocada a público, se parte do pressuposto que uma parte (20%) da população de determinada cidade não possui cobertura da Estratégia de Saúde da Família, e daí se parte pro raciocínio mais lógico de que esta parcela da sociedade seria um "Mercado em potencial" para uma Cooperativa de Médicos de Família.

Isto é: está lançada a oportunidade, como diria o próprio autor, para o Empreendedorismo Social!
Lamentável ver como a lógica de mercado molda as pessoas: ao invés de se pensar que o poder público está desassistindo uma parcela da População, se pensa em como ganhar dinheiro com isso. Está dado o oportunismo.

Conversas velhas em Prosas novas

- Conversa velha 1
Será que estaria sendo eu duro demais com a proposta? Afinal foi dito também que a entidade não teria fins lucrativos, que seria filantrópica, etc. Pra quem olha minimamente pra fora da janela, e vê a realidade, ouvir uma conversa dessas é no mínimo motivo pra um sorriso no rosto.

Este é o mesmo papo das Organizações Sociais que hoje são pauta do STF pela sua inconstitucionalidade, e é o papo dos maiores "drenos" dos recursos da Saúde do SUS. A rede filantrópica parasita o sistema, cresce e se fortalece, enquanto a rede própria do SUS vai decaindo aos poucos. Pernambuco é um retrato fiel disso no atual momento, mas nada que seja diferente do restante do País.

- Conversa velha 2
Além disso, esta iniciativa de "Clínicas Populares" já está espalhada no País inteiro. Vários profissionais "caridosos e preocupados com os mais necessitados" fazem atendimento a preços populares, pra darem aos pacientes a ilusão de um atendimento barato. Ilusão pois todo o resto que gira em torno do procedimento médico "foge da responsabilidade" dos "Médicos éticos e altruístas", como exames, referências, medicamentos, etc. E onde que estes pacientes vão buscar amparo quando se vêem sem dinheiro pra comprar o medicamento? Na rede do SUS!

Desse jeito fica fácil ganhar dinheiro: pra se justificar se aproveita das falhas do sistema, e quando é conveniente diz pro paciente procurar o SUS porque é seu direito. Saúde enquanto dever o Estado não é lei? Ao que parece, o oportunismo tem um olho que enxerga a lei como Dura Lex sed Lex (a lei é dura, mas é a lei- pra receber o medicamento), e outro que enxerga Dura Lex sed latex (a lei é dura, mas é flexível- pra manter as áreas desassistidas).

O Duelo entre Davi e Golias - a missão de retirar Mercado das grandes Operadoras de Saúde

Somente tendo um total desconhecimento do perfil de mercado, de interesses do consumidor, da dinâmica do próprio capitalismo e realmente vivendo no País de Alice pra se pensar que uma cooperativa de médicos de família que cobra 100R$ por pessoa iria disputar mercado com a Amil, Unimed, etc.

Caro colega, hoje o senso comum e a construção midiática estão longe de favorecer a escolha dos usuários por um médico de família, na verdade muito longe disso. Cada um quer um especialista diferente, e isto é o que é louvado no mercado da saúde. As pessoas aderem a estes planos de saúde para poderem, mesmo que de uma forma completamente precária, ter acesso a estes especialistas em algum momento, e marcar sua consultas diretamente com eles.

Todos sabemos que este sistema é burro do ponto de vista da custo-efetividade, porém é o que deseja quem consome. O Mercado responde ao ronco no estômago do consumidor, isto é, oferece aquilo que se quer agora, senão sai perdendo. E somente uma política de Estado é que conseguiria reverter uma cultura tão arraigada, mas amparada no Estado e em políticas públicas. Entrar no mercado tentando reverter uma "cultura de mercado" é assinar sua carta de suicídio.

Tentando sair do espelho de Alice

Pra finalizar, vamos deixar claro de uma vez por todas: entidades sem fins lucrativos não podem ter giro de lucro no seu caixa, mas podem pagar quanto quiserem aos seus diretores/associados. Então, as palavras "caridade" e "filantropia" podem ser excluídas do dicionário da vida real de quem gerencia estas entidades, pois é o interesse privado, e nunca o público, que norteia estes trabalhos.
Na verdade, é o interesse privado que tenta invadir o que é público, e fazer dele a sua "galinha dos ovos de ouro".

Pra ilustrar, leiam um pouco sobre este filme: Quanto vale, ou é por quilo?http://pt.wikipedia.org/wiki/Quanto_Vale_ou_%C3%89_por_Quilo%3F

Pra finalizar mesmo, sei que fui duro neste e-mail, mas já estava ficando sufocado vendo mais uma tentativa de Parasitismo no Estado Brasileiro surgir e ninguém questionar. Deixar isso passar seria uma afronta ao que defendo de Sistema de Saúde, de Estado Social e inclusive do papel aglutinador e tensionador que a Estratégia de Saúde da Família permite, ao desvelar as reais iniquidades de Saúde e nos colocar em movimento para combatê-las.

Concluindo deixo mais um trecho do livro de Galeano que abriu este texto

"(...) Em sua versão hebraica, a palavra enfermo significa
"sem projeto" e esta é a mais grave enfermidade entre as
muitas pestes deste tempo. Mas alguém, sabe-se lá quem,
andou escrevendo num muro da cidade de Bogotá:
Deixemos o pessimismo para tempos melhores.(..


Pensado por Thiago Henrique Silva

FONTE: http://galinhacabidela.blogspot.com.br/2011/05/ooperativa-de-medicos-de-familia.html

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