Por Elio Gaspari, na Folha de São Paulo de 15/04/2012.
Baixou no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico, CNPq, e na Agência Nacional de Saúde Suplementar, o espírito do comissário Lysenko, o queridinho de Stálin que bloqueou as pesquisas de genética na União Soviética.
Em 2006, o CNPq publicou um edital (046) encomendando 16 pesquisas relacionadas com o mercado de medicina privada e a ação da ANS. Uma delas intitulada “Dinâmica e Tendências do Mercado de Saúde Suplementar no Contexto da Regulação”, foi coordenada pela professora Ligia Bahia, da UFRJ.
Mobilizando sete pesquisadores e três voluntários, estudou o atendimento de 30 operadoras do Rio e de São Paulo com uma clientela de 7 milhões de pessoas que pagavam entre R$ 31 e R$ 145,50 mensais.
O trabalho, apresentado em dezembro de 2009, foi aprovado em agosto de 2011 por três pareceristas convocados pelo CNPq.
Aqui vão três resultados:
- Se o cliente pede o cancelamento de seu plano, as empresas continuam cobrando por vários meses. (Exceções: Unimed Paulistana e Dix.)
- Três operadoras não enviaram livretos aos beneficiários listando a rede de atendimento. Muitos manuais confundem mais do que explicam. Listam hospitais, mas não informam quais especialidades atendem e são imprecisos na especificação de coberturas hospitalares de oncologia, neurologia e psiquiatria.
- Uma empresa, com 1,7 milhão de clientes, dispõe de uma rede de seis hospitais, o que dá 290 mil vítimas para cada hospital. Na outra ponta, a São Cristovão, com 53 mil fregueses, tem 35 hospitais.
A pesquisa concluiu que “a ANS não tem atuado para impedir a negativa de cobertura pela falta ou restrição da rede de prestadores”.
Sugeriu que a agência faça um cadastro dos clientes, fiscalize a qualidade das informações oferecidas e impeça a oferta de planos acima da capacidade das operadoras.
Caiu o céu um cima da professora. O CNPq diz que ela não entregou a pesquisa. Errado, ela colocou-a na plataforma Carlos Chagas, uma das bases de dados do CNPq.
Acima de tudo, rejeitaram o trabalho, pois “os resultados estavam desconectados dos objetivos propostos”. Fica a impressão de que a conexão seria estabelecida se as conclusões fossem outras.
O trabalho da professora foi desqualificado por analistas da ANS que instruíram um processo ao qual não lhe dão acesso. Fechando o circuito, o CNPq quer que ela devolva R$ 141 mil, como se não tivesse trabalhado. Ligia Bahia está com sorte, pois os adversários das teorias do doutor Lysenko foram mandados para o Gulag.
Sugestão: O CNPq e a ANS podem botar a cara na vitrine divulgando toda a documentação disponível, ou até convocando um painel para discutir o trabalho da professora. Ele está no site da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/Abrasco%20Divulga/Relatorio.pdf).
VIA:
http://blogsaudebrasil.com.br/2012/04/16/elio-gaspari-denuncia-perseguicao-a-professora-ligia-bahia/
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