OS TRABALHADORES DA SAÚDE PÚBLICA OU AFINS QUE QUISEREM COLABORAR COM POSTS PARA ESTE BLOG, PODEM ENVIAR OS TEXTOS QUE NÓS PUBLICAREMOS, COM NOME DO AUTOR OU ANONIMAMENTE



Seguidores


domingo, 8 de janeiro de 2012

A desesperada tentativa de interiorizar a saúde

Por Leonardo C M Savassi – docente da Universidade Federal de Ouro Preto

Assistimos ao longo deste ano de 2011 uma série de iniciativas visando a interiorização e “periferização” de médicos, em especial para atuarem na Estratégia Saúde da Família.

Estas iniciativas são de tal maneira intensas que chegamos ao ponto de ter uma Portaria que durou menos de dois meses. A portaria ministerial 2.027, de 25 de agosto, durou até o dia 21 de outubro, data da publicação da Nova Política de Atenção Básica.

Que modifica o que se chamava de equipe transitória: antes dois médicos de 20 horas por equipe era transitório, na nova PNAB passa a ser uma equipe definitiva, sendo considerado transitório somente um médico de 20 horas por equipe a partir de então.

Em meio aos diversos formatos de “equipe” cuja composição colocava equipes a serem fatiadas de acordo com os médicos (1/2, 2/3, 3/4), a falecida 2.027 foi apelidada de Portaria Samuel Blaustein (“fazemos qualquer negócio”) informalmente na lista de discussões da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

Já em 01 de setembro de 2011, a portaria interministerial 2.087 definiu o bônus de 10 a 20% em provas de residência para médicos recém-formados (os chamados generalistas não-especialistas) que se disponham a atuar em equipes de Saúde da Família. Esta portaria, por sinal, levou ao arquivamento do Projeto de Lei 1363/2011, que foi retirado pelos autores da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

Discussões a parte, e opiniões em contrário de Entidades Estudantis, do CREMESP, dentre outros, recentemente a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo já avisou que não adotará o bônus.

Observamos, então, um esforço vertiginoso no sentido de se incentivar o deslocamento de médicos para locais de difícil fixação, fugindo um pouco do mérito de condições de trabalho e de uma carreira de estado.

Médicos são regulados, queiramos ou não, pelo mercado de trabalho, e como todos os profissionais, necessitam de algumas garantias para se interessarem.

Não basta o Jornal Nacional apontar uma cidade paradisíaca como atrativo para médicos. Não basta uma propaganda de apelo emocional, pois entidades médicas e movimentos médicos informais já deram sua resposta negativa ao incentivo:


Saúde mais Perto de Você – Ministério da Saúde


Resposta – Movimento Dignidade Médica

A questão da fixação de médicos é absolutamente multifatorial. Ela não depende apenas de remuneração ou incentivos. Ela está ligada a questões tão diversas como:

- condições de trabalho,
- acesso aos demais níveis da dita “rede poliárquica”,
- estabilidade (minimamente pela CLT),
- reconhecimento pelos pares,
- possibilidade de crescimento profissional.
- possibilidade de capacitação/ educação permanente/ reciclagem (usem o nome mais apropriado),
- possibilidade de especializações, titulações, mestrado, doutorado,
- escola de qualidade para seus filhos (e cursos de inglês, natação, etc.),
- lazer para a família,
- emprego para a esposa/ o marido (em geral profissional graduado também pelo nível superior),

Às proposições acima, duas outras respostas a médio prazo são possíveis, e já foram inclusive discutidas em momentos anteriores (não inventar a roda):

1) Estabelecer o concurso público estadual, com alocação municipal, onde médicos iniciam em municípios de pequeno porte podendo migrar para municípios maiores, respeitando o desejo e interesse do médico em permanecer onde está, caso queira. Como já ocorrem com Promotores Públicos, que têm salários bem acima dos hoje praticados na área da saúde;

2) Programa de Residência Médica integrado ao serviço “civil” voluntário ou “militar” obrigatório. Ao invés de um profissional recém-formado, menos experiente, que já é alocado com a garantia da perda do vínculo daí a um ano, porque não ser este o primeiro ano de residência (R1), de carga ambulatorial, supervisionado via médicos do exército e pelo Telessaúde, que pode ter garantia de continuidade em um R2 hospitalar (para pediatria, clínica médica e ginecologia, em unidades do Exército Brasileiro ou outras pública) ou ambulatorial (para Medicina de Família e Comunidade)? Neste caso, o médico faz o R2 se quiser, e a luta de gladiadores pelas vagas de clínica médica (medicina interna) já é um termômetro de um possível interesse.

Mesmo a flexibilização de carga horária de médicos não parece estar voltada para a captação de médicos no interior ou nas periferias. Parece estar mais direcionada aos apelos de gestores por recursos para equipes “não-ESF” e respectivos arranjos “possíveis”, podendo no máximo estimular a manutenção de profissionais em suas equipes com cargas horárias alternativas. E não mais sob financiamento (PAB fixo)*, mas agora sob estímulo federal (PAB variável).

Por fim, não custa colocar pesos nesta balança: em regiões remotas, qualquer médico é melhor do que nenhum médico? antes que alguém se proponha a responder, eu sugiro a leitura de uma revisão sobre o tema, que (não) chega a uma conclusão.

A maioria das iniciativas no mundo diz respeito a captação de médicos para zonas remotas, especialmente rurais, e os mecanismos mais exitosos para fazê-lo. Entretanto, esta mesma literatura é escassa quando o que se propõe a avaliar a retenção e mesmo as dimensões éticas do cuidado. Na palavra dos autores:

“As questões éticas específicas em torno de recrutamento rural e / ou retenção requerem uma análise mais aprofundada, não apenas por especialistas em ética, mas também por aqueles envolvidos nestes processos. Em um ambiente onde o recrutamento e / ou retenção de profissionais de saúde é cada vez mais desafiador, pode haver pressão para ignorar e / ou subestimar a importância destas questões no interesse de uma correção de curto prazo, isto é, preenchendo uma vaga . Como nós coletivamente responderemos a isto moldará a face dos cuidados de saúde rural para as próximas décadas.”

As discussões devem envolver não apenas o curto prazo, mas o médio e o longo também. Ainda mais em um país acostumado a transformar o provisório em definitivo.

* Por falar em financiamento, vale a pena citar as domingueiras de Gilson Carvalho quando lembra que a Emenda Constitucional 29 (texto constitucional) mais do que dobra o PAB Fixo desde 2000, independente da sua regulamentação, no Art. 77:

“§ 2º: Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.”

MPDIFICADO DE : http://www.saudecomdilma.com.br/index.php/2011/12/20/a-desesperada-tentativa-de-interiorizar-a-saude/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página

FACEBOOK